Home Care: um convite à ciência
Por Dr. Tarcyo Bonfim
Há 14 anos trabalhando com atenção domiciliar (Home Care) observo o quanto as pesquisas na área tiveram pouca evolução. É verdade que o número de publicações aumentou, o que é possível constatar nas principais plataformas de busca por artigos científicos na área de saúde. Na Scielo por exemplo, que é uma espécie de biblioteca eletrônica que representa muito bem a realidade da produção científica na América Latina, com a palavra-chave “Home Care” chegamos a aproximadamente 1000 publicações, porém não existem estudos clínicos e nem pesquisas de fato. Raros são os ensaios clínicos randomizados realizados com esta população. Boa parte são relatos de casos e estudos retrospectivos observacionais. O que faz o Home Care caminhar a margem da ciência?
Um dos motivos é que a principal financiadora da pesquisa clínica hoje é a indústria farmacêutica e esta possui uma agenda de prioridade onde a atenção domiciliar não está presente. Entre os critérios desta agenda está a relevância do problema e o resultado econômico da solução. Logo, não é de se esperar desta fonte financiadora a dedicação em pesquisa a população de pacientes em Home Care. Boa parte dos tratamentos realizados em domicílio são feitos por analogia ao que existe em nível hospitalar ou off label.
Outra questão bem importante que limita a pesquisa em Home Care é que a população possui normalmente baixa expectativa de vida e múltiplas comorbidades com uso de inúmeras medicações, o que dificulta a randomização e o acompanhamento prospectivo bem como o gerenciamento das variáveis confundidoras. Assim, torna-se necessários desenhos de estudos robustos e análises estatísticas cuidadosas.
Além destes fatores, existe um outro que merece destaque. O desconhecimento por boa parte dos cientistas e pesquisadores do universo de pacientes que são assistidos nesta modalidade. Se esses profissionais não se deparam com os problemas e perguntas dos profissionais de saúde que assistem a essa população, como dedicar sua atenção a resolver esses problemas e a responder as hipóteses?
Assim temos um dilema claro e evidente. Ou os cientistas mergulham no universo da atenção domiciliar, ou formamos cientistas entre aqueles que exercem o cuidado a este perfil de pacientes. Ou um pouco das duas coisas. Não sei o que é mais fácil de acontecer. Só sei que possuímos hipóteses instigantes nesta área e para as quais as respostas podem gerar economia ao sistema e melhorar a qualidade assistencial. Trarei aqui algumas perguntas frequentes feitas por quem lida com atenção domiciliar.
Quais os benefícios reais que pacientes neuropatas com hipersialorréia possuem com o uso do colírio de atropina via sublingual? Quais os benefícios reais da realização de cinesioterapia por mais de 6 meses em pacientes neuropatas que não apresentam evolução da motricidade? Quais os benefícios reais do uso da dieta industrializada nos pacientes acamados com ou sem via alternativa de alimentação? Quais os perfis de pacientes que se beneficiam de fonoterapia para prevenção de pneumonia aspirativa? Essas são apenas algumas perguntas do portfolio de dúvidas que dispomos em relação ao que é feito. Por fim, trago a pergunta que julgo mais instigante: por que fazemos tantos tratamentos se não temos evidências que os fundamentem? A resposta a esta pergunta explorarei em um outro artigo.
Fica então o convite a todos os cientistas que leram esse artigo e a todos os que tem o espírito científico para mergulharem neste universo da atenção domiciliar em busca destas respostas. Gerando mais conhecimento de qualidade nesta área, estaremos contribuindo com a melhoria da qualidade assistencial, proporcionaremos economia ao sistema e deixaremos legados ao conhecimento científico.