O Valor dos Avós
Por Tarcyo Bonfim
O dia dos avós existe hoje por conta de Ana Elisa do Couto (1926-2007), denominada de Dona Aninhas, uma portuguesa que vivia na região do Porto em Portugal. Avó de quatro netas e dois netos, Aninhas sentiu que as pessoas não davam o valor merecido aos avós e levantou a causa do dia dos avós. Tornou-se uma missionária da causa e na década de 80 viajou por países como o Brasil, França, Estados Unidos, Alemanha, África do Sul, Espanha, Angola, Suíça e Canadá levantando a bandeira do dia dos avós.
No Brasil, o dia dos avós é comemorado em 26 de julho, mesma data que em Portugal, e escolhida por referência a comemoração, na Igreja Católica, do dia de Santa Ana e São Joaquim, pais da Santíssima Maria e avós de Jesus. Aqui a data ainda não é muito conhecida, talvez por ter pouco apelo comercial, visto que é no final do mês onde as pessoas estão com menos dinheiro. Contudo, com o advento das mídias sociais, ano a ano vem crescendo o número de postagens a respeito desta data.
A Assiste Vida é bem simpática a causa do dia dos avós, não pela data em si ou pela necessidade de uma comemoração, mas sim pela relevância destes membros familiares na vida de inúmeras pessoas. Como empresa de Atenção Domiciliar (Home Care), os profissionais da Assiste Vida convivem com inúmeros netos que cuidam dos seus avós com zelo e dedicação. Nesta nossa observação, diversas histórias temos para contar, mas aqui quero registrar a minha história com meus avós.
Sou extremamente grato a eles por ter a vida que tenho hoje. Não conheci meu avô paterno, mas tenho uma memória vívida da minha avó paterna. Dona Domingas era uma índia bem extrovertida, com seu cachimbo na boca, e que gostava de contar histórias recheadas de palavrão. Mais adiante descobri que aquelas histórias se chamavam piadas. Lembro-me que andava com um maço de dinheiro no bolso que distribuía aos netos e nós comprávamos picolé. Um dia ela ficou bem doente e precisou sair do interior e ir a capital em busca de cuidados.
Durante seu tratamento em Salvador em 1985 eu tinha 07 anos de idade e visitava a casa dos meus tios, onde ela estava. Lembro-me que pedia a benção com frequência a minha avó e no dia que ela foi conduzida ao hospital, pegando na sua mão fria pela derradeira vez, assim ela falou: “filho, Deus te abençoe, fique com ele e cuide das pessoas”. Essas foram as derradeiras palavras da minha avó para mim. Dias depois ela faleceu. Foi a minha primeira experiência com a morte humana e o primeiro de poucos sepultamentos que presenciei.
Após seu falecimento aquela frase ficou reverberando em mim, pois eu me perguntava quem eram as pessoas. Até hoje não sei a quais pessoas ela estava se referindo, se aos membros de minha família ou as pessoas que viria cuidar no lugar de médico, como se ela antevisse minha profissão. Só sei que até hoje venho aprendendo o que é esse cuidar de pessoas. Essa foi uma marca indelével de minha avó paterna em mim.
Meus avós maternos foram importantes professores na minha vida. Morei boa parte da infância numa casa vizinha a dos meus avós e tivemos uma convivência bem próxima. Lá era meu refúgio, onde eu encontrava pudim e para onde fugia quando o clima em casa não estava bom. Meus avós eram pessoas alegres, mas eu não me recordo deles com saúde, a despeito de meu avô ter muita vitalidade. Minha avó sentia com frequência dores em diversas partes do corpo e passava por internações hospitalares com frequência e até em alguns momentos por internação domiciliar. Lembro-me de momentos que brincava com equipos de soro e seringas na casa dela.
Minha avó foi uma grande fonte de cuidado e de carinho tanto para mim quanto para minha irmã. Com ela fui aprendendo a cuidar, sendo cuidado. Meu avô destacava-se pela resiliência, dignidade e determinação. Um homem que sofreu com a Hanseníase muito cedo e que ficou com inúmeras sequelas: perda de um olho, perda da sensibilidade e atrofia dos dedos. Mas mesmo com dificuldades construiu uma casa, dirigia e preservou sua autonomia até os derradeiros dias da existência. Nunca o vi desistir de nada, nem reclamar, nem gemer ou chorar.
O primeiro deles dois a despedir-se foi meu avô Manoel, decorrente de uma hemorragia digestiva alta que teve como origem hepatite C. Nesta época eu já me encontrava na faculdade de medicina e pude acompanhar de perto o drama da minha família. Mas o que mais me chamou a atenção foi sua bravura em todos os momentos, buscando se manter vivo. Meu avô foi o meu primeiro contato com um estoico. Para ele o ruim ou o bom existiam apenas em nível das virtudes morais e não nas dificuldades e desafios da vida.
Minha avó Edite despediu-se em seguida, poucos anos depois, como é comum vermos entre casais de idosos. Ela lutou contra a recidiva de um linfoma após a morte de meu avô. Foi minha avó que me aproximou dos cuidados paliativos; não porque ela teve uma condução adequada de cuidados no fim da existência, mas sim pela sua ausência e por eu, estudante de medicina, presenciar tamanho sofrimento, sem o conforto adequado. Daquele dia em diante eu estava decidido que não queria praticar aquele tipo de medicina. Criei então, com outros colegas da faculdade, a primeira Liga de Dor do Estado da Bahia, e foi quando conheci os Cuidados Paliativos e as portas abriram-se para o Home Care.
Essas são as marcas e valores que meus avós deixaram em mim. E hoje tenho a honra de fazer parte da Assiste Vida e de estar contribuindo com o cuidado de inúmeros avós. A despeito de hoje termos o destaque do dia 26 de julho para lembrarmos dos avós, na Assiste Vida o dia dos avós é todos os dias. Eles são referência de amor e carinho e merecem nosso cuidado a todo o tempo.